sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A precipitação da OMS

Depois de ter assustado o mundo inteiro com o risco de uma pandemia causada pelo vírus da gripe H1N1, fazendo lembrar o da gripe espanhola de 1918, que matou cerca de 50 milhões de pessoas - mas com a qual quase nada teve a ver -, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente o fim dessa ameaça. É uma boa notícia, mas não se trata de uma vitória da campanha global contra o vírus da chamada gripe suína, lançada em maio de 2009. Na verdade, esse episódio abalou a credibilidade do regulamento sanitário daquele organismo da ONU, na parte que trata do monitoramento e prevenção de ameaças à saúde pública internacional.
Milhões de vacinas antivirais específicas foram produzidas por laboratórios farmacêuticos - que com isto muito lucraram - para enfrentar a ameaça e grandes estoques foram acumulados em diversos países, entre eles o Brasil. Tudo está a indicar, porém, que a OMS criou um pânico desnecessário. Por isso, ela decidiu realizar estudos sobre a questão, que podem levar a uma reforma do protocolo de 2007, que estabeleceu parâmetros para a declaração da ocorrência de uma pandemia. Seu comitê técnico concluiu que a situação exige uma definição mais precisa do que significa tecnicamente aquele termo e dos procedimentos que devem ser adotados pelo organismo. Pelos padrões utilizados até agora, configura-se uma pandemia quando surgem surtos de doenças transmissíveis, potencialmente letais, em duas das regiões em que a OMS divide o mundo.
A direção da OMS temia uma devastadora transmissão do vírus da gripe suína por causa do deslocamento diário de centenas de milhares de pessoas pelos meios modernos de transporte transcontinental. Assim, um surto localizado em determinadas áreas poderia rapidamente transformar-se em um risco global, afetando em especial os países mais pobres. A gripe suína ocasionou 18,4 mil mortes, número não muito superior ao dos surtos de influenza de 1957 e 1968. Mortes para as quais contribuíram também, é preciso lembrar, o estado físico dos infectados e as condições sanitárias em cada país.
Apesar de tudo isso, a diretora da OMS, Margaret Chan, considera que o saldo foi positivo. "Tratava-se", afirmou, "de um novo vírus e uma população não imunizada. Com 350 milhões de pessoas vacinadas em um ano no mundo, em muitos países até 40% da população estaria imunizada." O que nem ela nem os técnicos da OMS esclareceram é se o mesmo efeito não poderia ser obtido por meio da vacinação anual contra o vírus da influenza, à qual milhões de pessoas recorrem voluntariamente durante os meses de inverno.
Para muitos especialistas não se tratava de um novo vírus, mas de uma mutação, que continua circulando. De certa forma, isso foi reconhecido pelas autoridades sanitárias brasileiras, que decidiram que a vacinação deveria ser concentrada em pessoas jovens, gestantes ou os chamados grupos de risco. As pessoas de mais de 60 anos, com boa saúde, não foram incluídas, porque já haviam sido imunizadas por ocasião de surtos anteriores de influenza.
Generalizam-se hoje as suspeitas de que a OMS falhou cientificamente ao superestimar a gravidade da gripe H1N1. Como se recorda, o surto começou no México e se estendeu à Costa Oeste dos Estados Unidos. A sua expansão pelo resto do mundo - que de fato ocorreu como era esperado - exigia providências das autoridades sanitárias, mas não uma mobilização tão grande, com vultosas encomendas de vacinas a laboratórios farmacêuticos.
Os sucessivos alertas da OMS quanto à gravidade da gripe H1N1 causaram prejuízos financeiros sérios, inicialmente ao México, que se viu abruptamente privado de boa parte de suas receitas de turismo. Em maior ou menor grau, outros países foram afetados. Mas a questão econômica não é a mais importante. O que se contesta, cada vez mais, é a eficiência da OMS, um organismo excessivamente burocrático, cuja ação não se vem fazendo sentir, como deveria, em áreas com grandes problemas sanitários da África, da Ásia e da América Latina.
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Fonte:  Estadão.com.br


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